Friday, March 31, 2006

LIVRO


Tropeçavas nos astros desastrada
Quase não tínhamos livros em casa
E a cidade não tinha livraria
Mas os livros que em nossa vida entraram
São como a radiação de um corpo negro
Apontando pra expansão do universo
Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso
( E, sem dúvida, sobretudo o verso)
É o que pode lançar mundos no mundo.

Tropeçavas nos astros desastrada
Sem saber que a ventura e a desventura
Dessa estrada que vai do nada ao nada
São livros e o luar contra a cultura.

Os livros são objectos transcendentes
Nós podemos amá-los do amor táctil
Que votamos aos maços de cigarro
Domá-los, cultivá-los em aquários,
Em estantes, gaiolas, em fogueiras
Ou lançá-los pra fora das janelas
( Talvez isso nos livre de lançarmo-nos)
Ou o que pior por odiarmo-los
Podemos simplesmente escrever um:

Encher de vãs palavras muitas páginas
E de mais confusaão as prateleiras.
Tropeçavas nos astros desastrada
Mas pra mim foste a estrela entre as estrelas.

Caetano Veloso
Imagem: Henri Matisse

Thursday, March 23, 2006

A PALAVRA


Já não quero dicionários
consultados em vão.
Quero só a palavra
que nunca estará neles
nem se pode inventar.

Que resumiria o mundo
e o substituiria.
Mais sol do que o sol,
dentro da qual vivêssemos
todos e comunhão,
mudos,
saboreando-a.

Carlos Drummond de Andrade

Tuesday, March 21, 2006

DIZEM QUE FINJO OU MINTO

Feliz Dia Mundial da Poesia!!!






Dizem que finjo ou minto
Tudo o que escrevo. Não
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.

Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.

Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é,
Sentir, sinta quem lê!

Fernando Pessoa
Imagem: Michel Bayard

Wednesday, March 15, 2006

SUBJECTIVIDADE OBJECTIVA


(...)

És importante para ti, porque é a ti que te sentes.
És tudo para ti, porque para ti és o universo,
E o próprio universo e os outros
Satélites da tua subjectividade objectiva.
És importante para ti porque só tu és importante para ti.
E se és assim, ó mito, não serão os outros assim?

(...)

Álvaro de Campos, excerto de Se te queres matar, porque não te queres matar?

Imagem: Guayasmín

Thursday, March 09, 2006

E POR VEZES AS NOITES DURAM MESES


E por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes

encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos
E por vezes fingimos que lembramos
E por vezes lembramos que por vezes

ao tomarmos o gosto aos oceanos
só o sarro das noites não dos meses
lá no fundo dos copos encontramos

E por vezes sorrimos ou choramos
E por vezes por vezes ah por vezes
num segundo se envolam tantos anos.

David Mourão-Ferreira
Imagem: Susana Bonet

Sunday, March 05, 2006

PORQUE


Para o meu pai...o meu maior exemplo de honestidade e generosidade


Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão
Porque osoutros têm medo mas tu não.

Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão
Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos
Porque os outros calculam mas tu não.


Sophia de Mello Breyner Andresen
Imagem: Tom Godwin

Saturday, March 04, 2006

A GENTE VAI CONTINUAR


Tira a mão do queixo, não penses mais nisso
O que lá vai já deu o que tinha a dar
Quem ganhou, ganhou e usou-se disso
Quem perdeu há-de ter mais cartas para dar
E enquanto alguns fazem figura
Outros sucumbem à batota
Chega aonde tu quiseres
Mas goza bem a tua rota

Enquanto houver estrada para andar
A gente vai continuar
Enquanto houver estrada para andar
Enquanto houver ventos e mar
A gente não vai parar
Enquanto houver ventos e mar

Todos nós pagamos por tudo o que usamos
O sistema é antigo e não poupa ninguém, não
Somos todos escravos do que precisamos
Reduz as necessidades se queres passar bem
Que a dependência é uma besta
Que dá cabo do desejo
E a liberdade é uma maluca
Que sabe quanto vale um beijo

Enquanto houver estrada para andar
A gente vai continuar
Enquanto houver estrada para andar
Enquanto houver ventos e mar
A gente não vai parar
Enquanto houver ventos e mar


Enquanto houver estrada para andar
A gente vai continuar
Enquanto houver estrada para andar
Enquanto houver ventos e mar
A gente não vai parar
Enquanto houver ventos e mar

Pintura: Frida Kahlo
Letra e música de Jorge Palma

Wednesday, March 01, 2006

JOKE


I started a joke which started the whole world crying
But I didn't see that the joke was on me, oh no
I started to cry which started the whole world laughing
Oh If I'd only seen that the joke was on me.

I looked at the skies running my hands over my eyes
And I fell out of bed hurting my head from things that I said
'Till I finaly died which started the whole world living
Oh If I'd only seen that the joke was on me

I looked at the skies running my hands over my eyes
And I fell out of bed hurting my head from things that I said
'Till I finaly died which started the whole world living
Oh If I'd only seen that the joke was on me
Oh no that the joke was on me

Escrito por Barry, Robin e Maurice Gibb

Pintura: Edvard Munch